NA FILA DO PÃO

 


Numa noite dessas (aliás, uma bela noite curitibana, diga-se de passagem), me permiti o “luxo” de sair de casa em plena pandemia. Fui à uma panificadora do bairro em que moro. Não, não sou irresponsável como alguns que agem por instinto como se nada estivesse acontecendo com o mundo atualmente. Na verdade, a exemplo de Dalton Trevisan, evito sair de casa. Saio pouquíssimas vezes (de máscara, é bom que se diga) e só quando realmente é muito necessário, sendo que, se pudesse, passaria álcool em gel até nos olhos para me proteger. Geralmente procuro apoiar aos microempresários da minha região que, como outros microempresários brasileiros, estão sendo negligenciados por Paulo Guedes que, por sua vez, só demonstra boa vontade com a elite empresarial (vide a reunião ministerial de 22/04/2020).

Mas o fato é que nesta noite em questão, algo me chamou a atenção. Um senhor na fila do pão estava utilizando a máscara de modo errado. Abaixo do nariz. Sim, o nariz daquele senhor estava literalmente descansando em cima da máscara.

Intuitivamente, imaginei que se tratava de mais um tiozão do churrasco bolsonarista (alguns mais genuínos, costumam inclusive flertar com ideais nazifascistas, conscientemente ou não, repare). Provavelmente tive este ímpeto porque grande parte da população que tende a não ser muito esclarecida, costuma consumir informação de “microfones amestrados” e se espelhar em mitos pré-fabricados como Jair Messias Bolsonaro.

A televisão estava ligada, de modo que quando passei pelo caixa, não pude deixar de notar alguns ruídos noticiando algo sobre o atual presidente. Na mesma hora, quase que automaticamente, me dirigi ao dono da panificadora que doravante chamarei de Joaquim e falei:

 

– Entre tantas opções para presidente, foram escolher logo este...

– Mas... Me diga um candidato que presta!... – exclamou Joaquim.

– É complicado dizer qual político presta. Parece que é tudo farinha do mesmo saco. Mas qualquer um seria melhor que este...

– Mas destes outros... Qual você acha o melhor?

– Então... Das opções, Ciro Gomes me parecia e ainda parece, a mais razoável. O cara tem uma boa formação, uma baita experiência em administração pública, é inteligente, eloquente e demonstra conhecer bem a realidade do Brasil, tanto que por estes dias, até lançou um livro sobre o nosso país.

– Ah... Não sei, não. Pagou mico chorando naquele vídeo sobre os favelados... Dizendo que seriam as maiores vítimas do Covid. Pra mim, pareceu fraqueza.

 

Saímos da panificadora. Joaquim estava fechando a mesma, quando o senhor da fila do pão passou por nós e falou:

 

 – Vocês viram o “cala boca” que o Maia deu na Miriam Leitão?

– Não. – respondi. O que ele disse?

– Ah, não lembro... Só sei que ele disse que não era o momento de falar sobre impeachment... Que existem outras prioridades no momento.

– Controlar a pandemia, imagino.

– Sim, exatamente. – o senhor parecia que ganhara a Copa do Mundo.

– É... Só não esqueça que Maia é do Centrão e Bolsonaro fez um monte de acordos com o Centrão para supostamente se manter no poder.

– Mas parece que a popularidade dele aumentou...

– Ele tem apoio de 37% da população... Uma parte vem da sua fiel base eleitoral (que se identifica com ele) e outra parte é do pessoal que está recebendo este auxílio emergencial. Boa parte da nossa população recebe em média um pouco mais de R$400,00 por mês. Então, receber R$600,00 agora, dá a sensação de uma aparente melhora no modo como vivem. Mas isso só foi possível porque alguns deputados fizeram o governo aumentar o auxílio de R$200,00 para R$600,00. Agora, experimente tirar o auxílio para ver se isso não muda.

 

O senhor da fila do pão continuou falando e com o nariz em cima da máscara:

 

– É nada... Os deputados queriam R$500,00 de auxílio, o Guedes é que peitou este pessoal e disse que seria R$600,00.

 

O Guedes... Logo o Guedes que queria liberar apenas R$200,00 de auxílio; que quer privatizar tudo indistintamente a preço de banana; que disse que jogou a granada no bolso do inimigo, se referindo ao congelamento de salário dos servidores públicos, colocando todos na mesma caixinha – nem todos são políticos, ministros ou magistrados, alguns são médicos, enfermeiros, professores, policiais, garis, enfim...

Continuei a conversa:

 

– Independente de quem foi que aumentou, o fato é que com R$600,00 não dá para fazer muita coisa. Você vai com cenhão no mercado e não compra quase nada hoje em dia. Moralmente falando, creio que cada um desses brasileiros que estão recebendo este auxílio, deveriam, no mínimo, receber um salário mínimo. Aliás, isso é algo a se pensar adiante. Manter o auxílio para quem não possui renda e deixar o mesmo condicionado à uma capacitação, a um encaminhamento real para o mercado de trabalho, de modo a dar a oportunidade à outras pessoas que precisarem.

 

Joaquim interveio:

 

– Pois é... Tem um amigo meu que tem uma funerária e disse que está falindo.

– Como? Com uma pandemia dessas...? – questionei.

– Não, ele disse que não tem morrido tanta gente assim.

 

Pensei “Que bom!” por um segundo. A ideia não é prolongar cada vez mais a vida humana? Porém, este pessoal que apoia o atual governo, inventa notícias e tira dados sabe Deus de onde. Mas o melhor ainda estava por vir... O senhor da fila do pão, não satisfeito, falou:

 

– É tudo mentira este negócio de Corona. Oitenta por cento da população mundial é imune. Diz que este ano, mesmo com Corona, está morrendo bem menos gente que o ano passado.

– Hum... E de onde você tirou esta informação?

– Eu ouvi o Alexandre Garcia falando outro dia...

 

Acabou a conversa. Falei “Boa noite” e fui embora. Não por covardia, mas, por acreditar que não dá para tentar promover um diálogo ou um debate com quem está enfeitiçado por uma ideia fixa. Se tem algo que me irrita além da burrice assertiva, é desonestidade intelectual. Não consigo conceber que existam pessoas sem a mínima noção de espírito crítico e que consigam se deixar levar pela imprensa mentirosa e passadora de pano oficial do governo federal, atualmente representada por pessoas como Alexandre Garcia, Luís Ernesto Lacombe, Caio Copolla (o Caio Co’ Pano), em programas como “Os Pingos Nos Is” (Os Panos Nos Is) e “Pânico” – que em outra época já foi bem melhor, mas que agora é claramente um tentáculo do presidente – da  Jovem Pan (que deveria se chamar Jovem Pano); isso sem falar daqueles youtubers que estão sendo investigados por favorecerem Bolsonaro em troca de certas “benesses”.

Particularmente, acredito que já passou da hora da imprensa passadora de pano também ser investigada. A única justificativa para tentar justificar o injustificável, induzindo a população a erro, seria algum “dote” interessante ou por puro retardo mental mesmo.

Alguém poderá questionar: ah, então é a imprensa esquerdista que presta? A imprensa que não passa pano é esquerdista, por quê? Por noticiar as besteiras que o presidente fala e o péssimo exemplo que este deu diversas vezes? Por ter demonstrado o comportamento genocida do mesmo? Para quem não sabe, um genocídio pode ocorrer tanto de caso pensado, como por omissão. Ou não é omissão gastar apenas 12 bilhões de reais em saúde (de 40 bilhões disponíveis) enquanto muitas pessoas estão sem analgésicos para serem entubadas, na medida que nosso país comprou uma quantidade desproporcional de Cloroquina dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que o exército segue produzindo a todo vapor a mesma sem nenhuma evidência científica?

Algum aventureiro pode dizer: mas se o Supremo atribuiu a autonomia a estados e municípios, a culpa segue sendo do Bolsonaro sobre os 100 mil óbitos que antecederam o último Dia dos Pais (para muitos sem pais nem paz)? Sim, a medida que este fez um desserviço à população, dando mal exemplo, incentivando manifestações nazifascistas, desinformando de modo imprudente – inclusive em pronunciamento oficial, em horário nobre na televisão –, “curtindo” a vida adoidado enquanto muitos morrem, “trabalhando” pouquíssimo em Brasília, criando crises políticas desnecessárias de modo a atrapalhar inclusive o trabalho de governadores e prefeitos. Aliás, se não fossem estes, talvez já estivéssemos em 1 milhão de óbitos.

Em uma pandemia como esta, um presidente sensato deveria trabalhar dia e noite com as maiores mentes do país para minimizar os efeitos da mesma e não operar com um grupo de lunáticos (com raríssimas exceções) como o daquela reunião do dia em que o Brasil foi redescoberto. Aliás, vale ressaltar que estamos há mais de três meses sem ministro da Saúde. Este é o preço da ignorância.

Diante deste cenário, num panorama mundial, quem é o Brasil na fila do pão? Para alguns que seguem cegamente o “mito”, parece que a vida humana perdeu o valor, a empatia se esvai cada vez mais no dia a dia. Afinal, como um sujeito de Itajaí concluiu: ozônio no “rainbow” dos outros é refresco...

 (Igor Veiga / PERIGOR)


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