O QUE VI DA VIDA - E DA MORTE

 


O título deste texto remete, em parte, a um dos quadros que passava no programa Fantástico da Rede Globo... Lembram? O quadro “O que vi da vida”. Geralmente, esta atração tinha por intuito trazer à luz – noturna dominical dos televisores da maioria dos lares brasileiros – alguma “celebridade” (detesto esta palavra) para relatar alguns fatos corriqueiros de sua vida.  Lembrei-me disso pelo simples fato do mês de novembro ser o mais significativo para mim, pelo menos por duas razões específicas: é o mês que contempla o dia de finados e também a minha existência – sim, completei 38 primaveras em 6 de novembro, sou mais um dos nascidos e odiados (injustamente, diga-se de passagem) do signo de escorpião, de longe o melhor do zodíaco.

Sobre o dia de finados, em meio ao turbilhão de “dogmas” filosóficos ou religiosos, tenho minha própria crença. Particularmente, preciso acreditar que exista um Deus, senão como responder: quem criou o mundo em que vivemos ou como ele surgiu? A existência de um ser superior, onisciente, onipresente e onipotente me parece a mais plausível no tocante à criação do mundo. O mundo tem que ter vindo de algo ou alguém.

Outra questão: existe vida após a morte? Preciso acreditar que existe, senão por que viver, passar por tantas experiências – geralmente dolorosas, quando não traumáticas – neste mundo, aprender tanto para de repente... Boom! Morreu. Não teria porquê. Não faria sentido. Tem que existir alguma funcionalidade pós-morte para nosso aprendizado que armazenamos durante a vida. Mas, como disse, são apenas crenças que carrego comigo.

Religião e Ciência são difíceis ou praticamente impossíveis de se misturar. Na Religião precisamos crer para ver. Na Ciência precisamos ver para crer. Por essas razões, creio que a melhor definição de vida e de vida após a morte seja a da boneca Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Especificamente na obra “Memórias da Emília”.

Nesta obra, Monteiro Lobato, através de suas personagens, fazia crianças refletirem sobre conceitos complexos como vida e morte. Aliás, como faz falta um Monteiro Lobato hoje em dia, em que livrarias estão soterradas de “literaturas” bestializantes de youtubers e afins para crianças sem grandes perspectivas de futuro. Deixemos isso para lá e voltemos a obra...

Emília representa a Filosofia e Visconde de Sabugosa a Ciência. Emília quer escrever um livro sobre suas memoórias, mas, apesar de ser inteligentíssima, não sabe escrever ainda, por isso convence Visconde a escrever os seus relatos autobiográficos. E como toda “celebridade” que se preze, só constará feitos heroicos nesta biografia, feitos que brilhem aos olhos dos possíveis leitores, toda a fraqueza, erro ou tropeço deve ficar de fora. Num certo momento, vem (na minha modesta opinião) o auge da obra. Emília, dotada de uma liberdade poética, resolve filosofar sobre vida e morte. Visconde a adverte, dizendo que muitos intelectuais já se “estreparam” tentando fazer isso. Mas o diálogo segue exatamente assim:

 

            “– A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem pára de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais [...]

A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso. Um rosário de piscados. Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre.

– E depois que morre?, perguntou o Visconde.

– Depois que morre, vira hipótese. É ou não é?”

 

Emília é sensata e sabe das coisas. Continuemos vivendo nossas vidas de pisca-pisca, aguardando a nossa hipótese do pós-morte. Para finalizar, posso aferir que vi tanta coisa da vida que não cabe no universo. E quando pensamos que já vimos de tudo, aparece algo novo para nos surpreender. Mas mesmo assim, tentarei lembrar de alguns fatos... Pois bem, nesta vida já vi: nações seguirem seus ideais e logo serem reduzidas a pó; político ignorante chegar à presidência do país através de fake news; gente que não sabe ou não quer ler; jogador perna-de-pau; gente namorar ou casar com e sem amor; carnaval; terraplanistas; canteiro de flor; o dia amanhecendo; a beleza feminina; deputado entrar em camburão; professor ser espancado e chamado de baderneiro da nação; noite estrelada; chuva caindo; criança sorrindo; sonho se tornando realidade; ex-presidente ser preso sem provas e depois ganhar a liberdade, enfim... Ainda tenho muito para ver antes do meu fim. Se é que ele existe...

(Igor Veiga / PERIGOR)

 


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